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IPI na importação: consequência da decisão do STF para teses pendentes de julgamento (JOTA)

IPI na importação: consequência da decisão do STF para teses pendentes de julgamento

Por Breno Ferreira Martins Vasconcelos Mestre em Direito Tributário pela PUC-SP. Professor do curso de Especialização em Direito Tributário da FGV-SP. Advogado.

Por Maria Raphaela Dadona Matthiesen Pós-graduanda em Direito Tributário pela FGV-SP. Advogada.
Após 15 meses do pedido de vista do Ministro Roberto Barroso, o Plenário do STF retomou esta semana o julgamento do RE 723.651/RS, sob o rito de repercussão geral, a respeito da incidência de IPI nas importações de veículos automotores por pessoas físicas não contribuintes do imposto. Conforme noticiado no JOTA, os Ministros entenderam, por maioria, ser constitucional a cobrança do IPI nas importações de veículos automotores realizados por pessoas físicas não contribuintes.
Em síntese, as principais teses contrapostas eram as seguintes:
•  Para os contribuintes, a incidência do IPI na importação de veículo por não contribuinte do imposto viola o princípio da não-cumulatividade (art. 153, §3º, II da Constituição), por ser impossível a compensação do crédito, do IPI pago na entrada do bem, com futuros débitos, inexistentes para a pessoa física. Assim, haveria necessidade de edição de emenda constitucional para inserir no texto – tal como feito pela EC 33/2000, que fundamentou a incidência do ICMS na importação por pessoas físicas[1] –, a previsão expressa de exceção a permitir a incidência cumulativa na importação.
•  Para o fisco, em uma defesa de constitucionalidade dotada de forte tom consequencialista, a não tributação colocaria o produto estrangeiro em situação de vantagem ao bem nacional, que sofre a incidência do IPI, o que prejudicaria a indústria interna. Além disso, ressaltou que os países exportadores, por presumirem que o produto será tributado quando de seu ingresso no país importador, imunizam a exportação, de modo que o julgamento de inconstitucionalidade redundaria em um duplo afastamento de incidência de tributo sobre o produto industrializado em outro país, barateando-o significativamente.

A tese fazendária prevaleceu conforme o voto do Ministro Relator Marco Aurélio.
Merece especial atenção o voto do Ministro Roberto Barroso, não apenas pela sua clareza, mas também porque, apesar de contrária à pretensão dos contribuintes, poderá lançar luz sobre os contornos específicos de outras teses jurídicas pendentes de julgamento. O Ministro defendeu que a jurisprudência sobre a não-cumulatividade, até então contrária à incidência, deve ser alterada para equalizar a aplicação da regra ao novo cenário mundial.
Isso porque, com o crescimento do comércio virtual e a facilidade de trânsito de mercadorias entre as nações, manter a interpretação ampliativa da não-cumulatividade – com o consequente afastamento do IPI nas importações por não contribuintes – poderia estimular a entrada de bens estrangeiros no País, causando distorções negativas no mercado interno.
A partir desse raciocínio, para extrair do artigo 153, §3º, II uma norma que se harmonizasse com os princípios da isonomia e da livre concorrência, barrando tais efeitos econômicos, o Ministro limitou a aplicação da não-cumulatividade aos casos de incidência plurifásica do IPI.
A divergência, favorável aos contribuintes, ficou restrita aos Ministros Edson Fachin e Dias Toffoli. Vale lembrar que o ministro Toffoli foi relator do precedente RE 643.525 AgR, em que foi declarada a inconstitucionalidade do IPI na importação de equipamento hospitalar por clínica médica por ser uma “operação dissociada da base econômica constitucionalmente definida” para o IPI, além de ferir a não-cumulatividade. Segundo Toffoli, “o IPI não é um imposto próprio do comércio exterior”.
A anotação deste precedente é importante para ressaltarmos a existência de diversos julgamentos favoráveis aos contribuintes, todos ligados pelo argumento da necessidade de se conferir máxima efetividade ao princípio da não-cumulatividade, a saber: RE 550170 AgR, RE 550170 AgR, RE 255090 AgR, RE 501773 AgR, RE nº 615.595, RE nº 627.844 e RE nº 643.525 e, inclusive, um julgamento do STJ sob rito dos recursos repetitivos (REsp 1396488/SC).
Exatamente por reconhecerem a pluralidade de decisões das duas Turmas do Supremo até então contrárias à incidência do IPI nas importações por não contribuintes, os ministros Luiz Fux e Ricardo Lewandowski disseram ser importante limitar o conteúdo decisório ao específico caso de importação de veículos por pessoas físicas, o que chamaram de acolhimento de uma “tese minimalista” da Fazenda. E assim o STF pronunciou o resultado de julgamento: Incide o imposto de produtos industrializados na importação de veículo automotor por pessoa natural, ainda que não desempenhe atividade empresarial e o faça para uso próprio.
Desse modo, uma importante janela fica aberta para a reapreciação do argumento sob situações fáticas e jurídicas diversas.
Ao elevar os princípios da livre concorrência e da isonomia a pressupostos de interpretação da não-cumulatividade, garante-se ao contribuinte a possibilidade de demonstrar que, em seu caso, a não-cumulatividade confirma tais princípios, não os infirma. Três hipóteses – muito comuns na jurisprudência – poderão se amoldar a essa fresta:
•  Importações de produtos sem similares nacionais. Sem o comparativo interno, não há quebra de igualdade.
•  Importações realizadas por pessoas jurídicas que, apesar de serem contribuintes do imposto, gozam de imunidade ao IPI em suas operações internas, a exemplo das operações referentes à energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais. Por ser a imunidade regra constitucional de conteúdo axiológico, permitir a incidência do IPI em situação de impossível operacionalização posterior do princípio da não-cumulatividade esvaziaria de eficácia outra norma constitucional, também vetor inderrogável de interpretação.
•  Importações realizadas para o desenvolvimento de projetos de relevante interesse público, a exemplo de bens destinados à saúde, pesquisas científicas, educação, projetos ambientais, de construção civil etc. Também nessas hipóteses, reflete-se a necessidade de sopesar valores constitucionais para a interpretação da regra tributária.

Além de todas essas questões, fazemos duas considerações finais a respeito das discussões que ainda serão travadas para as importações não enquadradas na tese minimalista adotada pelo STF.
Nas situações em que o contribuinte esteja impossibilitado de compensar seu saldo credor de IPI decorrente da aquisição no mercado interno de matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagem, o artigo 11 da Lei nº 9.779/99 permite sua compensação com débitos de outros tributos administrados pela Receita Federal. A regra, contudo, está restrita às aquisições no mercado interno (não às importações), colocando os bens nacionais em posição privilegiada. Veja-se, aqui, mais uma vez o princípio da isonomia se relacionando com o da não-cumulatividade.

A diferenciação entre produtos estrangeiros e nacionais esbarra no artigo 152 da Constituição, que estabelece o princípio da não discriminação tributária em virtude da procedência do bem, e também no Acordo Geral de Tarifas e Comércio (“GATT” – Decreto n° 1.355/94), tratado do qual Brasil é signatário, que determina a seus membros a não discriminação de produtos importados após a entrada no mercado interno. Nunca é demais lembrar que o artigo 98 do Código Tributário Nacional estatui a prevalência do tratado sobre a legislação interna.
Com base nessas ideias, entendemos que a adoção da tese minimalista pelo STF permitirá não apenas a rediscussão da matéria nas importações de outros bens, mas a construção de novas interpretações da regra da não-cumulatividade, agora balizadas por diferentes circunstâncias de fato e de direito.
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[1] No RE 203.785, o STF pacificou o entendimento de que a incidência do ICMS na importação de veículos por pessoas físicas não contribuintes do imposto, antes da EC 33/2000, violava o princípio da não-cumulatividade.