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Observatório do CARF: Planejamento Tributário (JOTA)

Observatório do Carf: Planejamento Tributário

Por Ana Cláudia Utumi Advogada. Doutora em Direito Econômico e Financeiro pela USP e Mestre em Direito Tributário pela PUC-SP. Professora de Especialização e do programa de graduação da FIPECAFI.

Por Breno Ferreira Martins Vasconcelos Advogado. Mestre em Direito Tributário pela PUC-SP. LL.M em Direito Tributário pela Universidade de Bolonha, Itália. Professor do curso de Especialização em Direito Tributário da FGV Direito SP. Ex-Conselheiro da Primeira Seção do CARF.

Por Daniel Souza Santiago da Silva Advogado. Mestre em Direito Tributário pela PUC/SP. Professor no curso de Especialização em Direito Tributário da FGV Direito SP.

Por Eurico Marcos Diniz de Santi Professor. Coordenador do NEF/FGV Direito SP. Autor do livro Kafka, Alienação e Deformidades da Legalidade e Diretor do CCiF – Centro de Cidadania Fiscal

Por Karem Jureidini Dias Advogada. Mestre e Doutora em Direito. Ex-Conselheira da Primeira Seção do CARF e da Primeira Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais

Por Susy Gomes Hoffmann Advogada. Mestre e Doutora em Direito do Estado pela PUC/SP. Conselheira do 3º. Conselho de Contribuintes e depois CARF entre março 2005 até março 2014. Vice-Presidente do CARF entre novembro 2009 até março 2014

  1. INTRODUÇÃO E CONTEXTO DA PESQUISA
    No presente capítulo, apresentaremos os comentários relativos às decisões que envolveram casos de planejamento tributário.
    O tema planejamento tributário é extremamente amplo. Salta aos olhos a sua complexidade e, por decorrência, a da pesquisa que ora se apresenta, quando notamos que ao menos duas vertentes são identificadas nas respectivas decisões. Para extrair a norma concreta, o julgador vai além da subsunção de um determinado fato à norma, conferindo-lhe a melhor interpretação. Necessário que ele ultrapasse, primeiramente, a discussão sobre o próprio fato e as provas que sobre ele se apresentam no processo. Tem-se assim um primeiro percurso, no qual se analisa, a partir do que consta dos autos, as características do fato efetivamente ocorrido, descortinando-se sua natureza para, então, atribuir-lhe os efeitos fiscais.
    Não por outra razão que as decisões referentes ao “planejamento” envolvem inúmeras situações, as quais podem se referir também a outros temas tratados nesta obra e que são, portanto, incluídas em outros capítulos do livro. Apenas a título exemplificativo, foi o que ocorreu com as decisões relativas a ágio, participação nos lucros e juros sobre o capital próprio, motivo pelo qual não são neste trabalho relatadas.
    Nessa medida, não é possível dizer que a base empírica utilizada neste relatório é exaustiva. Cumpre esclarecer que, a despeito de terem sido tratadas em capítulo específico da obra, determinadas decisões, quando muito relevantes para a abordagem do tema “planejamento”, precisaram ser utilizadas, ainda que sabidamente em duplicidade, com o exclusivo propósito do tema “planejamento tributário” (como evidenciado no tópico 6, onde se encontra o relato sobre os efeitos de imputação eventualmente atribuídos). Nesse tópico, considerando a constante repetição da questão da imputação especificamente nos casos de requalificação de rendimentos pagos a pessoas jurídicas como rendimentos de pessoas físicas, certos casos precisaram ser abordados, ainda que não exaustivamente.
    Os tópicos que elegemos para pesquisar e comentar foram os seguintes: forma sobre substância e negócio jurídico indireto; abuso de forma e sua utilização como meio de desconsideração de negócios jurídicos realizados por contribuinte; análise dos motivos / objetivos, ou seja, das causas jurídicas; imputação de pagamento de tributo na “reclassificação fiscal” decorrente de planejamento tributário; e, substância econômica e Propósito Negocial.
    Assim, informamos que utilizamos como parâmetro de pesquisa as seguintes palavras-chave: Elisão fiscal; simulação; abuso; planejamento tributário; art. 116 § único, desconsideração; propósito negocial; forma; substância; oponível ao fisco. Ainda em relação à planilha, informamos que preferimos colocar o “tema”, assim entendido o ato objeto de qualificação, e a respectiva decisão sobre o objeto analisado, por melhor se adequar aos objetivos da pesquisa.
  2. PERCURSO DA PESQUISA: METODOLOGIA, DELIMITAÇÃO DO OBJETO EMPÍRICO DOS ACÓRDÃOS ANALISADOS, COORDENAÇÃO DO TEMA E COMISSÃO DOS PESQUISADORES AD HOC
    O relatório que hoje publicamosé o QUARTO de uma série de 21 relatórios temáticos que integrarão o livro “Conselho Administrativo de Recursos Fiscais: Repertório Analítico de Jurisprudência até 2015” e que passaram a ser publicados nesta coluna em sintonia com as futuras pautas de julgamento do CARF.
    Os dois principais vetores de orientação dos trabalhos foram promover uma pesquisa imparcial e agregar não apenas números, mas principalmente conteúdo, ao universo de produção acadêmica sobre o CARF.
    Sempre que possível, buscamos reunir, nas comissões, pesquisadores com formações profissionais diversas (conselheiros e ex-conselheiros, representantes do fisco e dos contribuintes, advogados, professores e auditores fiscais), o que permitiu a rica contraposição de perspectivas que caracteriza o próprio CARF. O conhecimento prévio da farta jurisprudência do CARF sobre o tema, requisito para a seleção dos autores-pesquisadores, trouxe eficiência à busca e ao agrupamento das decisões.
    Além disso, a escolha por relatórios de pesquisa coletivos foi uma proposta de redução de subjetividades.
    A pesquisa empírica deste relatório “PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO” foi coordenada por Ana Cláudia Utumi, que ainda integrou a comissão de pesquisadores ad hoc em conjunto com Antonio Carlos Guidoni Filho e Karem Jureidini Dias.
    A revisão, editoração, inserção de tabelas e conclusões preliminares foram realizadas pela coordenação geral e pela coordenadora do tema, cuja versão que ora se apresenta para debate público fica, ainda, sujeita à aprovação e validação pela coordenação do tema e pela comissão de pesquisadores.
  3. CONCLUSÕES PRELIMINARES DA COORDENAÇÃO DO LIVRO SOBRE A PESQUISA “PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO”, SUJEITAS, AGORA, AO DEBATE, CONTROLE SOCIAL E VALIDAÇÃO PELOS STAKEHOLDERS DO CARF (CONSELHEIROS, RFB, PGFN, CONTRIBUINTES E ADVOGADOS)
    A análise dos 112 (cento e doze) acórdãos pesquisados, mesmo que nem todos tenham sido objeto de comentários nos tópicos acima, demonstra que o tema planejamento tributário é um dos mais controversos no direito tributário brasileiro. A pluralidade de autuações e discussões entre fisco e contribuintes não é a única responsável pela complexidade do tema, contribuindo para tanto o fato de se tratar de um assunto que abrange conceitos cuja interpretação foi drasticamente alterada no decorrer dos anos. Não apenas se sofisticaram os instrumentos e negócios jurídicos no decorrer dos anos, mas também e inclusive os meios para sua realização, com a consequente alteração do modo de interpretação sobre os impactos tributários decorrentes de tais negócios.
    Da análise dos acórdãos selecionados pelo Grupo de Pesquisa, devidamente indicados no Capítulo 1 (“Introdução”), extraem-se as seguintes conclusões específicas:
    I. Em relação à forma, substância e negócio jurídico indireto, ao longo dos anos, nota-se que as decisões do Conselho de Contribuintes / CARF passaram a considerar outros elementos que não somente os aspectos formais das situações que geraram a disputa tributária. Neste sentido, diversas decisões do CARF em um passado mais remoto dizem respeito à análise dos negócios jurídicos com base na forma adotada, sem considerar os aspectos econômicos ou objetivos das partes, ou dando-lhes um papel secundário. A análise se concentrava em verificar se em cada uma das operações ou negócios realizados, respeitou-se ou não os requisitos (formais) estabelecidos em lei.
    A análise dos efeitos, inclusive econômicos, dos negócios, que, até o final dos anos 90 e início dos anos 2000, eram rechaçadas, passaram a ser mais frequentes nas decisões. Ao considerar esses outros elementos, o tribunal administrativo deixou de analisar cada ato praticado isoladamente, e passou a analisar o conjunto em que inseridos.
    II. Quanto ao abuso de forma e sua utilização como meio de desconsideração de negócios jurídicos, verifica-se julgados que aceitam a argumentação do fisco no sentido de qualificar como “abusivos” os atos do contribuinte que resultem em redução da carga tributária, considerando a economia tributária como um motivo isoladamente abusivo para a prática dos atos jurídicos, adotando conceito do Código Civil.
    Nos casos em que a acusação de abuso foi aceita, os julgadores consideraram que os contribuintes se valeram de atos formalmente perfeitos, porém materialmente eivados de abuso de forma e que este tipo de situação não poderia ser qualificada como planejamento tributário, como elisão fiscal.
    Quando a qualificação de “abusiva” é aceita pelos julgadores, nem sempre é desqualificada a multa.
    III. No que se refere à análise da causa jurídica, foi possível notar nas decisões a importância que, ao longo dos anos, ganhou a análise dos objetivos, da causa dos atos. Se, no passado, a análise se restringia aos atos individualmente praticados, sem tomar em conta os objetivos das partes e as repercussões econômicas dos atos, as decisões vistas neste tópico indicam claramente a necessidade de esclarecer aos julgadores a causa dos atos praticados, tal como ocorreram. A questão da motivação de atos não se restringiu ao tipo de ato, tampouco ao tributo em cobrança, o que indica ser um dos balizadores mais comumente considerado pelos julgadores.
    IV. No tocante ao propósito negocial e sua relevância para os planejamentos tributários, a leitura cronológica dos textos selecionados indica importante modificação jurisprudencial a respeito do tema. Em um primeiro momento, algumas decisões admitiram que o propósito (das operações realizadas pelo contribuinte) fosse estritamente fiscal, sob a alegação de que não haveria vedação legal para estruturar operações unicamente com o fim de economizar em tributos. Em momento posterior, os acórdãos passaram a refutar essa premissa e a adentrar na análise de existência (ou não) de propósito negocial, passando a ter este o condão de, caso presente, validar o planejamento, e, caso ausente, invalidá-lo. Ou seja, sob essa orientação, a economia tributária deveria ser sempre mero reflexo ou consequência do conjunto de operações, e não o seu fim. Os acórdãos, via de regra, preocupam-se com a análise das particularidades de cada caso e, nelas, buscam encontrar “propósito negocial”. Não se percebe, nos acórdãos selecionados, preocupação com a fixação de standards de comportamento para nortear a conduta dos contribuintes em situações análogas.
    V. No tema de imputação de tributos pagos sob o negócio jurídico, cuja prova foi requalificada pelo fisco, apuramos pelos julgados que, a despeito de não haver jurisprudência pacificada, muitas decisões possibilitam a imputação quando se trata de mesmo sujeito passivo ou quando ocorre confusão, seja entre os sujeitos, seja no próprio efeito fiscal.
    Verificou-se, por outro lado, que, em se tratando de efeitos direcionados a pessoas distintas, e que não impactaria de qualquer forma no ônus fiscal ao final devido pelo sujeito autuado, houve negativa ao pedido de imputação de pagamentos.
    Salientamos que em alguns acórdãos, apesar da utilização do termo compensação como sinônimo de imputação, não se exigiu a observância do prazo de cinco anos, adotando tais decisões a premissa de que a imputação se reporta ao ajuste no lançamento à época em que efetuado. Outras decisões ainda mencionam expressamente que a imputação não se confunde com a compensação, como no “Caso H Stern” (Acórdão nº 106-27.147).
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