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Após veto a advogados, balança do CARF tende ao Fisco (JOTA)

Após veto a advogados, balança do Carf tende ao Fisco

Por Bárbara Mengardo

De Brasília

Pouco técnico, desigual, fiscalista.
Esses são alguns termos utilizados por integrantes, ex-conselheiros e advogados quando vislumbram o futuro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Frente ao recente veto de que conselheiros advoguem, profissionais que atuaram no tribunal administrativo temem que parte das cadeiras do conselho sejam ocupadas por pessoas sem experiência em temas tributários.
É quase unânime a posição de que o órgão que julga multas impostas pela Receita Federal sofrerá grandes mudanças em relação ao seu perfil profissional. Apesar de ainda não ser possível saber como o tema será tratado no novo Regimento Interno, pessoas ligadas ao Carf apostam que haverá interesse de acadêmicos ou advogados com escritórios já consolidados em assumirem o posto de representantes dos contribuintes. Profissionais da área de contabilidade, advogados em começo de carreira ou pessoas que atuam na área jurídica de empresas também foram citados como interessados.
A polêmica em torno da atuação de advogados no Carf surgiu após o governo instituir o pagamento de uma gratificação de R$ 11.200 a representantes dos contribuintes. Até a publicação do Decreto nº 8.441, de 30 de abril, os conselheiros recebiam apenas diárias, ajudas de custo para participarem das sessões de julgamento em Brasília.
Com a remuneração, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) proibiu conselheiros de advogar. Baseando-se no Estatuto da Ordem (Lei 8.906/94), considerou que a advocacia privada é incompatível com a função remunerada no conselho.
O posicionamento afeta os conselheiros que representam os contribuintes no Carf. Vinculado ao Ministério da Fazenda, órgão é paritário, ou seja, composto por pessoas – maioria advogados – indicadas por confederações empresariais e representantes do Fisco – auditores fiscais.
A sequência de mudanças ocorre após a deflagração da chamada Operação Zelotes, da Polícia Federal, que investiga casos de corrupção e compra de votos no conselho. Iniciada no dia 26 de março, a operação levou à suspensão de todas as sessões do Carf e à abertura de uma audiência pública para reformulação do Regimento Interno do conselho.

Novo perfil

A instituição de pagamento do Carf prenunciou uma onda de renúncias em massa de conselheiros que tem sido confirmada após a decisão da OAB. Aqueles que ainda não pediram dispensa da função já enviaram ao Ministério da Fazenda e ao presidente do Carf, Carlos Alberto Barreto, os pedidos de desligamento, e esperam pela formalização no Diário Oficial da União.
O movimento ocorre porque muitos dos antigos conselheiros tem posição de destaque dentro de seus escritórios, e não querem abrir mão da sociedade ou do ascensão profissional na advocacia privada por uma vaga no Carf. Pesa ainda na decisão o fato de o decreto presidencial vincular a remuneração ao número de sessões às quais o conselheiro compareceu. “Não dá para imaginar um profissional que não pode ficar doente, ou não pode não conseguir pegar um avião”, afirmou o advogado Luiz Paulo Romano, do Pinheiro Neto Advogados, que atua no Carf.
“As confederações [que indicam nomes ao Carf] precisam encontrar alguém disposto a interromper a carreira profissional durante alguns anos para se dedicar à atividade julgadora”, disse o advogado Breno Vasconcelos, que deixou a função na Terceira Turma da Primeira Câmara da Primeira Seção do Carf. O ex-conselheiro apresentou sua carta de renúncia após a decisão do plenário da OAB.
Com as novas restrições impostas pela Ordem, pessoas ligadas ao Carf ouvidas pelo JOTA apostam que a cadeira de representante dos contribuintes poderá interessar a acadêmicos ou a advogados no começo da carreira. Também foi levantada a possibilidade de os cargos serem preenchidos por advogados com escritórios já consolidados que escolheriam o trabalho no Carf como forma de finalizar a carreira, ou mesmo profissionais de outras áreas, como contadores e economistas.
Restou também a dúvida se advogados que atuam nos departamentos jurídicos de empresas, com cargos consultivos, poderiam integrar o conselho. Nesses casos, entretanto, seria preciso entregar provisoriamente a carteirinha da Ordem e, ainda assim,  continuar com a atuação dentro das companhias.
Em comum entre todas as situações há uma preocupação recorrente de que a mudança afaste pessoas com vasta experiência em questões tributárias ou que vivenciam no dia-a-dia os temas tratados nos julgamentos. “O Carf tem uma discussão muito técnica e apurada, mas pode deixar de ter todo esse tecnicismo”, afirma o conselheiro Luiz Rogério Sawaya, que defende os contribuintes na Terceira Turma da Quarta Câmara da Terceira Seção do conselho.
Breno Vasconcelos lembra que chegam ao Carf discussões intrincadas, envolvendo, por exemplo, operações societárias complexas. Pelo menos em um primeiro momento, diz o advogado, os contribuintes podem ficar em desvantagem, já que a representação das empresas será quase que completamente renovada. “Eu acredito na possibilidade de reequilibrar o jogo, mas vai levar tempo até isso acontecer”, diz.

Disparidade
A desigualdade entre os julgadores é outro ponto levantado pelos especialistas ouvidos pelo JOTA. Se por um lado os representantes dos contribuintes poderiam ser pessoas com pouca experiência, do outro estariam auditores no topo da carreira, com décadas de experiência na análise de autuações fiscais da Receita.
De acordo com o conselheiro Antonio Carlos Atulim, que representa o Fisco e é presidente da Terceira Turma da Quarta Câmara da Terceira Seção, estão atualmente no Carf profissionais nos últimos degraus da carreira de auditor. A remuneração da categoria varia entre R$ 19 mil e R$ 22 mil.
Atulim também vê com ressalvas a possibilidade de o conselho ser formado majoritariamente por profissionais de outras áreas além do direito. “Nosso trabalho é jurídico, e formação em direito é fundamental”, afirmou.
Frente aos questionamentos, muitos profissionais ligados ao Carf chegam, inclusive, a levantar a possibilidade de, futuramente, ser derrubada a paridade no conselho. As contratações, desta forma, seriam por concurso público.
Jurisprudência
As recentes alterações no Carf levantam desconfianças também entre as empresas que possuem processos administrativos, de acordo com advogados. Tributaristas dizem que muitos clientes temem que daqui para frente o conselho se torne menos técnico, e que a mudança na composição leve à alteração de entendimentos consolidados.
De acordo com advogados, muitas empresas estão em “compasso de espera”, e aguardam os próximos capítulos para decidir se “pularão” a etapa administrativa, levando as reclamações contra autuações diretamente ao Judiciário.
No ar, está o questionamento se as várias mudanças geradas pela Operação Zelotes  coibiriam futuros descalabros no Carf. “Não é por pagar R$ 11 mil para uma pessoa que ela vai deixar de ser corrupta”, afirma Sawaya.