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Contribuições previdenciárias sobre hiring bonus (JOTA)

Contribuições previdenciárias sobre Hiring bonus

Conselheiros concluíram pela natureza remuneratória do hiring bonus

O hiring bonus, ou “bônus de contratação”, inspirado na luva paga aos jogadores profissionais de futebol com fundamento no art. 12 da Lei nº 6.354/76, é usualmente concedido antes do início da prestação de serviços e corresponde a um dos instrumentos utilizados pelo mercado de trabalho para o recrutamento de mão de obra altamente especializada.

No livro “Repertório Analítico de Jurisprudência do CARF”[1], publicado recentemente, foram analisados 15 julgamentos realizados pelo Conselho sobre a matéria até março de 2015, dos quais em 12 decidiu-se pela natureza não remuneratória do hiring bonus, sobre o fundamento, em suma, de que configuraria mero atrativo, desprovido de natureza contraprestacional por ser pago antes da existência de relação jurídica de prestação de serviços. Nenhum dos acórdãos analisados, vale registrar, foi proferido pela Câmara Superior de Recursos Fiscais (“CSRF”).

A leitura dos trechos de acórdãos analisados na obra demonstra que, nesses julgamentos, a ausência de caráter remuneratório não foi um entendimento absoluto, mas sim condicionado às características do caso concreto, envolvendo a análise de fatores como, (i) além do pagamento anterior à vigência do contrato individual de trabalho, mencionado acima, a inexistência de (ii) metas a serem cumpridas ou (iii) cláusulas estabelecendo um tempo mínimo de permanência no cargo. Verifica-se, assim, a ideia de que, para não ter natureza contraprestacional, o pagamento de hiring bonus deve ser desvinculado da futura prestação de serviços pelo empregado, sendo assumido verdadeiro risco pela empresa.

Após a retomada das atividades do CARF, em dezembro de 2015, de outra sorte, todos os cinco acórdãos identificados em nossa pesquisa, incluindo uma decisão proferida pela CSRF em 20/7/2016, foram desfavoráveis aos contribuintes, isto é, os conselheiros concluíram pela natureza remuneratória do hiring bonus.

Diante dessa aparente mudança de cenário, a pergunta que se faz é: houve verdadeira alteração do entendimento predominante do Conselho quanto à natureza do hiring bonus ou as decisões desfavoráveis aos contribuintes foram assim proferidas em decorrência das características dos casos concretos submetidos a julgamento, que confeririam caráter contraprestacional ao pagamento realizado?

A resposta não é simples, tampouco definitiva, notadamente em virtude da reduzida quantidade de decisões proferidas sobre a matéria desde a retomada das atividades do Conselho.

O primeiro desses julgamentos foi realizado em 8/3/2016 pela 1ª Turma Ordinária da 4ª Câmara da Segunda Seção de Julgamento[2]. Partindo da premissa de que “o conceito de remuneração não se encontra mais circunscrito às verbas recebidas pelo trabalhador em razão direta e unívoca do trabalho por ele prestado ao empregador”, o relator, conselheiro Arlindo Costa e Silva, concluiu que o hiring bonus possui natureza de “antecipação de salários”, sendo “concedido pelo trabalho e não para o trabalho”.

Assim, embora algumas características do caso concreto tenham sido mencionadas pelo relator, prevaleceu a ideia de que o hiring bonus, por ser pago com a intenção de captar e reter a mão de obra, estando relacionado, portanto, aos serviços que serão prestados após a contratação, tem natureza remuneratória. Registramos, apenas, que o caráter contraprestacional foi fundamentado, entre outros pontos, no fato de o hiring bonus usualmente envolver a inclusão de cláusula de permanência no contrato individual de trabalho.

Ademais, embora o tópico do voto condutor relativo ao hiring bonus tenha sido adotado por unanimidade pelo colegiado, quatro dos oito conselheiros presentes acompanharam o relator pelas conclusões, indicando sua discordância quanto às razões de decidir descritas acima. Esse indício é corroborado pela declaração de voto proferida pelo conselheiro Carlos Alexandre Tortato, no sentido de que “o hiring bonus é, em sua essência, um pagamento decorrente de um contrato de natureza civil, sem qualquer cunho ou repercussão trabalhista”, especialmente por ser concretizado antes do início da relação de trabalho, mas, no caso concreto, o contribuinte não teria comprovado suas alegações.

Também no acórdão 2402-005.392, proferido em 13/7/16 pela 2ª Turma Ordinária da mesma Câmara acima mencionada, o relator, conselheiro Kleber Ferreira de Araújo, fundamentou a natureza remuneratória do hiring bonus na existência de cláusula de permanência, pois, para que o pagamento se incorpore definitivamente ao patrimônio do empregado, deve ser cumprido o período mínimo de prestação de serviços definido no contrato.

A exigência fiscal controlada naquele processo administrativo, contudo, foi cancelada em razão de erro na indicação do momento da ocorrência do fato gerador pela autoridade fiscal, nos termos do voto vencedor proferido pelo conselheiro Ronnie Soares Anderson. A despeito do cancelamento, consideramos a existência de unanimidade de votos quanto ao caráter contraprestacional, em razão da seguinte observação, feita no voto vencedor: “merece ser registrado não ter havido divergência no âmbito do Colegiado quanto à natureza remuneratória das verbas em comento”.

Já no acórdão 2402-005.274, proferido em 11/5/2016 pelo mesmo colegiado e sob a relatoria do conselheiro Ronaldo de Lima Macedo, a natureza remuneratória do hiring bonus foi escorada, por unanimidade de votos, no fato de o pagamento ser realizado tão somente após o aceite da proposta de trabalho.

A mesma tendência – pela natureza remuneratória do pagamento – foi observada no acórdão 2202-003.438, da 2ª Turma Ordinária da 2ª Câmara (relator conselheiro Marcio Henrique Salas Parada), no qual entendeu-se pela natureza remuneratória do hiring bonus, por voto de qualidade, em razão da existência de cláusulas prevendo, além da permanência por prazo mínimo, o cumprimento de metas estabelecidas pela companhia.

Por fim, e merecendo destaque pela sua relevância, a CSRF proferiu, em 20/7/2016, o acórdão 9202-004.308, relatado pelo conselheiro Luiz Eduardo de Oliveira Santos, cuja ementa dispõe que “a verba paga a título de hiring bonus é decorrente do contrato de trabalho” e “deve compor o salário de contribuição”.

Em seu voto condutor, o relator asseverou que “o hiring bonus tem a natureza de verba recebida em decorrência do contrato de trabalho, não sendo eventual”, afirmação essa que, por não ter sido justificada com base em características do caso concreto, demonstra ter sido adotado o posicionamento de que o pagamento em questão sempre teria natureza jurídica remuneratória, na contramão da jurisprudência até então predominante no Conselho.

Cumpre registrar que, nos termos do voto condutor, o processo administrativo em questão foi devolvido à turma a quo para a análise de ponto do recurso voluntário que, em razão do cancelamento da autuação fiscal nessa instância, não foi analisado, a saber, a incidência de juros de mora sobre a multa de ofício.

Sintetizamos em tabelas [a serem acessadas neste link] os principais pontos dos acórdãos proferidos pelo CARF sobre a matéria a partir de dezembro de 2015.

Conclusão

Embora não seja possível chegar a uma conclusão definitiva quanto à mudança de entendimento ou não dos conselheiros a respeito da natureza jurídica do hiring bonus, em razão do reduzido número de acórdãos proferidos após a retomada das atividades do Conselho, observamos que:

i) os quatro acórdãos proferidos por turmas ordinárias indicam uma tendência desfavorável aos contribuintes, especialmente nos casos em que o pagamento era condicionado ao cumprimento de condições pelo empregado, como a permanência nos quadros da empresa por um determinado período de tempo.

ii) A última decisão publicada sobre a matéria, proferida pela CSRF e que, portanto, poderá passar a ser seguida pelas turmas ordinárias visando à uniformização da jurisprudência do Conselho, destoa do entendimento acima mencionado, por afirmar que o hiring bonus, em geral, se presta a remunerar o empregado, ainda que de forma antecipada. O julgamento desse processo administrativo, contudo, ainda não foi concluído, pois os autos foram devolvidos à turma a quo para a análise da alegação do contribuinte de impossibilidade de exigência de juros de mora sobre a multa de ofício.

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[1] LOMBARDI, André Luís Marsico. VASCONCELOS, Breno Ferreira Martins. OLIVEIRA, Carlos Henrique de. LANDIM, Carolina W. CALCINI, Fábio Pallaretti. VEIGA, Thais Romero. Contribuições previdenciárias. In: SANTI, Eurico Marcos Diniz de. VASCONCELOS, Breno Ferreira Martins. SILVA, Daniel Souza Santiago da Silva. DIAS, Karem Jureidini. HOFFMANN, Susy Gomes (coord.). Repertório Analítico de Jurisprudência do CARF. São Paulo: Max Limonad, 2016, p. 580-585.
[2] Acórdão nº 2401004.194.

Breno Ferreira Martins Vasconcelos – Advogado. Mestre em Direito Tributário pela PUC-SP. Professor do curso de Especialização em Direito Tributário da FGV Direito SP. Ex-Conselheiro da Primeira Seção do CARF.

Thais Romero Veiga – Advogada. Pós-graduada em Administração de Empresas com foco em gestão tributária pela FIPECAFI. Graduanda em Ciências Contábeis pela FIPECAFI.