Observatório do CARF: tribunal zeloso e jurisprudência analítica (JOTA)
11 de fevereiro de 2016Observatório do Carf: Tribunal zeloso e jurisprudência analítica
Por Breno Ferreira Martins Vasconcelos
Mestre em Direito Tributário pela PUC-SP. Professor do curso de Especialização em Direito Tributário da FGV-SP. Advogado.
Por Daniel Souza Santiago da Silva
Advogado. Mestre em Direito Tributário pela PUC/SP. Professor no curso de Especialização em Direito Tributário da FGV Direito SP. Foto_Eurico-Recuperado
Por Eurico Marcos Diniz de Santi
Professor. Coordenador do NEF/FGV Direito SP. Autor do livro Kafka, Alienação e Deformidades da Legalidade e Diretor do Centro de Cidadania Fiscal – CCiF
Por Karem Jureidini Dias
Advogada. Mestre e Doutora em Direito. Ex-Conselheira da Primeira Seção do CARF e da Primeira Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais
Por Susy Gomes Hoffmann
Advogada. Mestre e Doutora em Direito do Estado pela PUC/SP. Conselheira do 3º. Conselho de Contribuintes e depois CARF entre março 2005 até março 2014. Vice-Presidente do CARF entre novembro 2009 até março 2014.
Instituições Importam (Douglas North)
FORTALECENDO O CARF: A PRÁTICA DO RESPEITO AOS PRECEDENTES É CRUCIAL PARA O ESTADO DE DIREITO, PARA A SEGURANÇA JURÍDICA E PARA A REALIZAÇÃO CONCRETA DA LEGALIDADE
Como se comportou, nos últimos anos, a jurisprudência do CARF a respeito dos temas que representavam, em novembro de 2015, um passivo tributário a ser definitivamente constituído de R$580 bilhões?
Discussões altamente relevantes para o fisco, pois representam grande parte da garantia de orçamento, e para os contribuintes, pois guiam suas atividades, sofreram oscilações significativas?
Descendo aos detalhes, exemplificamos algumas perguntas que povoam os congressos de direito, as reuniões corporativas, as bancas de advocacia, os gabinetes da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e da Receita Federal do Brasil (RFB):
(i) quais os requisitos para a fiscalização entender viável a amortização do ágio gerado em determinada operação societária? A utilização da chamada empresa-veículo é, por si só, razão para impugnar a amortização fiscal do ágio e, ou, aplicar a multa qualificada de 150%?
(ii) quais insumos geram direito ao crédito da contribuição ao PIS e da COFINS? Utiliza-se o conceito de insumos próprio da legislação do IPI e descrito no Parecer Normativo CST nº 65/1979 ou impera a noção de que insumo é o bem imprescindível na atividade econômica do contribuinte?
(iii) dos pagamentos feitos por uma empresa aos seus empregados e sócios, v.g. PLR, distribuição de lucros, previdência complementar, quais devem sofrer a incidência das contribuições previdenciárias?
(iv) a concessão de empréstimo pela empresa afasta o risco do beneficiário em um plano de Stock Option e, portanto, descaracteriza sua natureza mercantil, autorizando a Receita Federal a cobrar contribuições previdenciárias e imposto de renda da pessoa física?
(v) prevalecem, para fins de incidência do IRPJ e da CSLL sobre os lucros auferidos por empresas controladas no exterior, os tratados firmados pelo Brasil para evitar a dupla tributação ou as leis internas (Leis nº 9.245/95, 9.532/97 e Medida Provisória nº 2.158-35/2001)? Em caso positivo, qual cláusula desses tratados o CARF entende aplicável (a 7ª, que trata dos lucros, ou a 10ª, que trata de dividendos)?
Enfim, quais os critérios determinantes para o julgamento dos principais temas tributários pendentes de definição nesse tribunal administrativo, que recentemente sofreu uma brusca reconfiguração?
Todas essas perguntas inspiraram a reunião de mais de 50 autores, no entorno do Núcleo de Estudos Fiscais da FGV Direito SP, entre professores, conselheiros, ex-conselheiros, advogados e auditores fiscais, que assumiram, nos últimos 6 meses, a função de pesquisadores acadêmicos ad hoc, metodologicamente NEUTRALIZADOS pela orientação de “DESCREVER A JURISPRUDÊNCIA” de forma objetiva, despidos epistemologicamente de viés ideológico (ou até o limite reconhecidamente do possível em ciências humanas) para, mediante critérios claros (base denotativa de acórdãos identificados para cada pesquisa realizada)[1], mapear, analisar, sistematizar, descrever e identificar a racionalidade e coerência dentre os milhares de acórdãos proferidos pelo CARF.
A obra é contribuição coletiva para fortalecer o CARF, retratando a voz da legalidade mediante a sistematização da evolução da sua jurisprudência até março de 2015, quando os julgamentos foram suspensos em virtude da deflagração da operação Zelotes. A pesquisa foi dividida em 4 partes: (i) temas gerais, comuns a todas as Seções de Julgamento, e relacionados a matérias julgadas nas (ii) Primeira Seção, (iii) Segunda Seção e (iv) Terceira Seção.
LEGITIMAÇÃO PELO PROCEDIMENTO DO “INTERESSE PÚBLICO” EM TORNO DO CARF: TRANSPARÊNCIA, DEBATE PÚBLICO, CONTROLE SOCIAL e VALIDAÇÃO DO RESULTADO DA PESQUISA PELOS STAKEHOLDERS DO CARF (CONSELHEIROS, RFB, PGFN, CONTRIBUINTES E ADVOGADOS)
O resultado da pesquisa empreendida nos últimos meses é obra de referência e inovadora na forma, no conteúdo e na estratégica de divulgação. Os primeiros resultados da pesquisa foram disponibilizados abertamente na Internet, a partir desta quarta-feira (10/02), com a marca d’água “TEXTO EM DISCUSSÃO”, com o que pretendemos iniciar a penúltima fase do Projeto que antecede a publicação no formato de livro: TRANSPARÊNCIA, DEBATE PÚBLICO, CONTROLE SOCIAL e VALIDAÇÃO DO RESULTADO DA PESQUISA pelos stakeholders institucionais do CARF (Conselheiros, CARF, Receita Federal do Brasil, Procuradoria da Fazenda Nacional, Contribuintes e Advogados).
Afinal, como ensina lindamente EROS GRAU, “o direito moderno é racional porque permite a instalação de um horizonte de previsibilidade e calculabilidade em relação aos comportamentos humanos, sobretudo aqueles que se dão no mercado”. A jurisprudência é a legalidade na prática: atos de aplicação que também devem se sujeitar aos critérios de coerência e compatibilidade no sistema jurídico, objetivando a estabilidade, previsibilidade e confiança dos jurisdicionados.
Se a MISSÃO DO CARF é assegurar à sociedade imparcialidade e celeridade na solução dos litígios tributários; se a VISÃO DO CARF é ser reconhecido pela excelência no julgamento dos litígios tributários e se os VALORES DO CARF são ética, transparência, prudência, impessoalidade e cortesia; então espera-se que esse trabalho seja recebido como uma contribuição da sociedade para identificar, nas decisões, um padrão que reflita a interpretação institucional da legalidade concretizada pela VOZ DO CARF, garantida pela isonomia: contribuintes em situação fática idêntica devem receber o mesmo tratamento legal pelo tribunal.
Nas palavras de TERESA ARRUDA ALVIM, “a legalidade só tem sentido prático se concretizada à luz do princípio da isonomia. Se houver várias regras para decidir-se o mesmo caso, como se vai saber de antemão, qual vai ser a aplicada pelo juiz, no caso de José? É inútil a lei ser a mesma para todos, se os tribunais podem interpretá-la de modos diferentes e surpreender os jurisdicionados.”
NINGUÉM MUDA NINGUÉM, NINGUÉM MUDA SOZINHO; NÓS MUDAMOS NO ENCONTRO: MELHORAR O BRASIL? SIM, NÓS PODEMOS!
Sistematizar as decisões administrativas do CARF para exigir coerência interna e respeito aos seus próprios precedentes: essa é a contribuição dessa pesquisa para oferecer, do ponto de vista acadêmico, critérios mínimos de segurança jurídica sobre o pântano kafkiano da complexidade tributária.
Ensina NORTH, que o papel das instituições é crucial para o desenvolvimento econômico e social de uma nação. A existência de convergência jurisprudencial, evidenciada de forma transparente e sistematizada, é fundamental para superação da complexidade e da insegurança jurídica causadas pelos sistema tributário atual. Além disso, imperfeições do mundo real, falta de informação, externalidades e resistência na obtenção de cooperação entre os agentes dificultam as interações humanas, causando altos custos de transação que retroalimentam a INEFICIÊNCIA ECONÔMICA.
O aumento do fluxo de informação sobre o CARF cria virtuoso cenário para a construção de ambiente de previsibilidade e confiança, tornando possível ao contribuinte antever as prováveis consequências de suas condutas e nortear suas ações. A Receita Federal, por sua vez, não investirá tempo e recursos na concretização de atos de lançamento com alta probabilidade de desconstituição pelo CARF, focando sua atividade na produção de autos de infração cujo objeto, pela orientação da jurisprudência, têm maiores chances de ser convalidados. A PGFN exercerá a sua função de Estado no sentido de zelar pela legalidade concreta e debelar a INDÚSTRIA DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO. Advogado e contribuinte podem, assim, ouvir a voz do CARF e adaptar condutas e desenhos negociais.
É dever do Estado dar o exemplo de respeitar a realização integral da legalidade. E não abandonar a lei para arrecadar mais em nome da moral ou de outro valor superior qualquer, ainda que sejam compreensíveis suas razões (por exemplo, contra a sistemática evasão de certos contribuintes, que também exploram a complexidade da lei para não pagar tributos).
Esta pesquisa, que a partir de agora submete-se à validação e ao controle social, pretende demonstrar que a tributação no Brasil pode funcionar, basta mais legalidade, mais Estado de Direito, mais comunicação e mais segurança jurídica. Aceitar esse diagnóstico é o primeiro passo para resolver os desafios da tributação. O segundo passo é fortalecer o fisco-instituição como prestador de serviço que lidera e oferece a voz da legalidade, implodindo a indústria do contencioso. O terceiro é fisco-instituição e contribuinte aprenderem a trabalhar juntos na elaboração, regulamentação e aplicação da lei.
É isso que propomos, defendemos e acreditamos que fizemos nesta pesquisa.
MELHORAR O BRASIL? SIM, NÓS PODEMOS!!!
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[1] Para permitir a verificação independente dos resultados dos trabalhos das comissões, os autores foram orientados a relacionarem todos os acórdãos pesquisados, ainda que não citados ou transcritos. Além disso, as comissões cujo repertório de jurisprudência era exaustivo foram orientadas a informar as palavras-chave utilizadas na pesquisa e o período abrangido pelo levantamento, isto é, as datas inicial e final de disponibilização dos acórdãos consultados. Com essas diretrizes, buscamos construir uma obra eminentemente analítica, sem o objetivo de doutrinar o leitor e, portanto, cientificamente isenta.