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Matéria. O novo RIR não é tão novo assim

O novo RIR não é tão novo assim

Decreto com novo Regulamento do Imposto de Renda foi publicado nesta sexta-feira (23/11) no Diário Oficial

Depois de 19 anos sem mudanças, o Regulamento do Imposto de Renda (RIR) ganhou uma nova versão: publicado na edição desta sexta-feira (23/11) do Diário Oficial da União, o Decreto nº 9.850/2018 traz uma nova compilação da legislação sobre o imposto de renda. O novo RIR substitui o anterior, de 1999, que fica revogado de maneira integral.

Com 1.050 artigos, 46 a mais do que sua última edição, a edição do novo RIR pegou tributaristas de surpresa. Sua publicação, porém, cumpre a obrigação do Poder Executivo de reunir toda a legislação tributária em um regulamento único, como prevê o Código Tributário Nacional (CTN).

“Desde a edição do último Regulamento, em 1999, foram editadas diversas normas esparsas sobre o imposto de renda”, explica João Victor Ribeiro Aldinucci, conselheiro da 2ª Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), um dos principais órgãos a interpretar a legislação. “Esta é uma das razões pelas quais o Presidente da República, no uso da atribuição que lhe confere o artigo 84, editou esse novo decreto regulamentador”.

Compêndio legislativo

O novo RIR, afirmam os advogados, é uma legislação extremamente importante para pesquisa, mas que, em sua essência, não traz grandes novidades em seu conteúdo. O motivo está na sua própria estrutura: um regulamento tributário traz recortes e pontos principais das legislações, relativas àquele imposto, desde a promulgação do seu antecessor.

“E um decreto que organiza, em uma ordem lógica, a legislação, reunindo o núcleo de cada discussão”, explicou Igor Mauler, do Mauler Advogados. Para o tributarista, o decreto não pode mesmo inovar, e se inovar, “está indo além do que é esperado dele”.

Mas as mudanças em relação ao antigo RIR existem. Thais Veiga Shingai, associada sênior do Manrrich e Vasconcelos Advogados, aponta que mudanças relevantes na legislação desta década finalmente chegam ao regulamento.

“A Lei nº 12.973 é um ponto muito relevante no novo RIR. Em nossa análise preliminar, as alterações mais volumosas, na parte das tributações da pessoa jurídica, são com base nela”. A Lei nº 12.973, promulgada em 2014, traz profundas mudanças no entendimento de operações de incorporações, fusões e cisões – assim como suas respectivas formações de ágio e deságio.

“Uma novidade que me chamou atenção, do ponto de vista positivo, foi a inclusão do inciso I no art 946, antigo 898, que trata da previsão de contagem da decadência”, afirmou o tributarista Allan Fallet. O novo inciso trata da contagem conforme disposto no artigo 150, parágrafo 4º do CTN, tema que, segundo o tributarista, já está amplamente corroborado pela jurisprudência.

“O regulamento anterior tratava apenas da contagem sob a forma do artigo 173 do código”, complementou o tributarista Vitor Jacinto Piancó, do Nelson Wilians e Advogados Associados. “Agora, o artigo 946 trata da contagem sob as duas perspectivas previstas no CTN”.

O advogado Hugo Reis Dias, do HRD Advogados, afirma que é necessária uma análise minuciosa do novo regulamento para que empresas e profissionais ligados a elas reflitam sobre as leis vigentes.

Para o advogado, a publicação do ato normativo é uma oportunidade para discutir a apuração dos tributos no Brasil

“É de suma importância que as empresas se atentem para esse novo ato normativo, para que discutam com seus profissionais e verifiquem se essa nova abordagem traz algum impacto efetivo na apuração de tributos”, diz.

Ele afirma que ainda é cedo para saber quais serão as mudanças efetivas que o regulamento vai causar, mas diz acreditar que as normas podem influenciar em processos administrativos e judiciais. “Os advogados terão que se atentar e ter uma atuação cautelosa. O importante é buscar sempre atualizações e aplicá-las”, opina.

No Carf, que é um dos principais interpretadores da legislação, o novo RIR não deve ter tantos efeitos por enquanto. “No que importa ao Carf, vale mencionar que, salvo exceções, a lei aplicável é a do momento do fato gerador”, apontou Martin da Silva Gesto, que, assim como João Victor, é conselheiro na 2ª Seção, “de modo que demorará algum período para que novos processos administrativos fiscais, com base no RIR/2018, cheguem ao tribunal para apreciação do colegiado.” Para que as turmas do conselho se debrucem sobre o tema, é preciso que uma autuação fiscal seja feita com base no novo decreto.

Um novo RIR, todo ano?

A previsão está expressa no artigo 212 do Código Tributário Nacional (CTN), de 1966: o texto determina que é obrigação do Poder Executivo, nas instâncias federal, estadual e municipal, editar toda a legislação relativa a um imposto em um regulamento único, a ser atualizado até o dia 31 de janeiro de cada ano.

Sendo assim, por que os decretos que regulamentam o imposto de Renda (IR) e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) são atualizados com um intervalo tão largo? O Decreto nº 3000, com o RIR antigo, é de 1999, enquanto o Regulamento do IPI mais recente é de 2010.

O disposto no CTN, argumentam alguns dos ouvidos pelo JOTA, nunca foi levado a sério, talvez pela “falta de braço” do poder público para atualizar uma legislação tão complexa e extensa anualmente. A maioria afirma também que um novo decreto a cada ano não é necessário, mas que o hiato de 19 anos entre um RIR e outro deixou a versão antiga cada vez menos relevante.

Há quem entenda que a legislação não precise dessa recomposição assídua. “A questão não é, simplesmente ter um novo código todo ano”, defendeu Geraldo Mascarenhas, sócio do Chenut Oliveira Santiago Advogados. “A questão é atualizá-lo, não só quanto às leis aplicáveis, mas também em relação à jurisprudência já pacificada.”

É demais pretendermos ter um código publicado a cada ano – isto até seria negativo. Prefiro uma legislação que seja atualizada frequentemente

Geraldo Mascarenhas, sócio do Chenut Oliveira Santiago Advogados

Igor Mauler nota também o que considera outra deficiência na nova lei: o decreto nº 9.850/2018 traz atualizações até o ano de 2016, deixando leis tributárias dos últimos dois anos de fora. “O novo RIR já nasce um pouquinho desatualizado”, lembra o tributarista, “mas já é melhor do que o de 1999”.

“Tivemos muitas novidades na legislação tributária federal, em razão da convergência das normas contábeis brasileiras às normas internacionais. Toda legislação contida no RIR precisava ser atualizada para refletir esse cenário”, pontuou Maria Carolina Maldonado Mendonça Kraljevic, sócia de Direito Tributário do A. Lopes Muniz Associados.

O entendimento é o mesmo partilhado por Thais Veiga: “Um regulamento que não era atualizado há quase 20 anos ou cai em desuso ou gera muita confusão”, concluiu a advogada.

 

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