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Ministério da fazenda faz minirreforma no CARF (JOTA)

Ministério da Fazenda faz minirreforma no Carf

Conselho terá turmas extraordinárias para o julgamento de casos de menor valor e sessões virtuais
Bárbara Mengardo
07 de Julho de 2017 – 21h09

O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) voltará a ter turmas responsáveis pelo julgamento de casos com valores baixos. O objetivo é reduzir o estoque de processos, já que 72% dos recursos em tramitação discutem cobranças fiscais de até 60 salários mínimos.

As mudanças fazem parte de uma minirreforma do tribunal, publicadas nesta sexta-feira (07/07) no Diário Oficial. A Portaria 329/2017 altera o Regimento Interno do Carf em mais de 50 pontos, e contém alterações que vão desde a forma de designação de julgadores até a criação de sessões virtuais no conselho.

Apesar de a criação de turmas para casos de menor valor ser vista com bons olhos por advogados, algumas alterações trazidas pela portaria são alvo de críticas. Julgadores questionam o fato de não terem sido consultados. Os conselheiros suplentes, que atuarão nos colegiados recém-criados, também foram pegos de surpresa.

Turmas extraordinárias

A maior alteração trazida pela minirreforma foi a criação das turmas extraordinárias, que julgarão causas de menor complexidade ou valor. Além dos processos de até 60 salários mínimos (R$ 56,2 mil) serão analisados pelo colegiado os processos que tratam de desvinculação de companhias do Simples Nacional, de isenção de Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI) e Imposto Sobre Operações Financeiras (IOF) para taxistas e deficientes físicos e de isenção de Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) a portadores de moléstias graves.

O Carf informou ao JOTA que serão criadas nove turmas extraordinárias, sendo três por seção de julgamento. De acordo com o tribunal, atualmente tramitam cerca de 61 mil processos envolvendo cobranças de até 60 salários mínimos, o que corresponde a 72% do estoque do Carf.

As turmas extraordinárias foram criadas “em caráter temporário”, e podem ter sua alçada ampliada. A nova norma prevê que à medida em que ocorrer a redução no acervo de processos o presidente do Carf poderá aumentar o teto de valores nas turmas para até 120 salários mínimos.

De acordo com a portaria, as turmas extraordinárias serão formadas por quatro conselheiros dentre os que hoje ocupam o cargo de suplentes, sendo dois julgadores do fisco e dois dos contribuintes. Atualmente, o Carf conta com 29 suplentes, que julgam casos quando há ausência ou impedimento de conselheiros.

Ainda segundo a portaria, as sessões das turmas extraordinárias serão realizadas de forma virtual e não presencial, a não ser que haja pedido de sustentação oral pelas partes. A nova norma define que esses colegiados terão um “rito sumário e simplificado” de julgamento.

A possibilidade de julgamento de casos de menor valor por turmas especializadas não é nova no Carf. Até 2015, existiam no conselho turmas especiais com essa finalidade, porém os colegiados foram extintos com as alterações regimentais realizadas após a deflagração da Operação Zelotes.

De acordo com o Carf, as turmas foram extintas anteriormente pela “necessidade de adaptação da estrutura dos colegiados ao novo quadro de conselheiros”. Isso porque, na época, houve a redução do número de conselheiros do tribunal e o aumento do número de conselheiros por colegiado.

Ainda segundo o tribunal, será preciso a edição de outra portaria para instituir as turmas extraordinárias. Sobre a sistemática para o julgamento não presencial, o conselho afirmou apenas que ele ocorrerá “por meio de lista de votação, como já ocorre no Judiciário”.

A ideia de retomar as turmas para julgamentos de casos com valores baixos é visto com bons olhos pela ex-conselheira Mírian Lavocat, que atuou no tribunal na época em que existiam as turmas especiais. Sócia do Lavocat Advogados, Mírian acredita que a medida vai desafogar as turmas ordinárias. “Acima de tudo [a mudança] favorece os contribuintes, que vão ter seus recursos julgados de forma mais célere”, diz.

Para o advogado Breno Vasconcelos, do Mannrich, Senra e Vasconcelos Advogados, a alteração será positiva inclusive para os julgadores. “Vai desafogar os conselheiros das turmas ordinárias, para deixá-los com casos de maior complexidade e maior valor”, afirma Vasconcelos, que também é ex-conselheiro do tribunal administrativo.

Certame

Além de tentar reduzir o estoque de processos, a Portaria 329/2017 trata de outro gargalo do Carf: a seleção de de conselheiros. O tribunal conta com 21 cadeiras vagas atualmente, fato que o presidente do conselho, Carlos Alberto Barreto, atribui às entidades de classe que deveriam repassar listas tríplices para designação de julgadores.

De acordo com a nova redação dada ao Regimento Interno, caso uma entidade de classe não apresente a lista tríplice para indicação de conselheiros dos contribuintes, a designação será feita por “certame de seleção”. Antes, na ausência de apresentação de listas tríplices, a possibilidade de apresentação de nomes era repassada a outra entidade.

A indicação de conselheiros que representam os contribuintes é de responsabilidade de entidades como a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Confederação Nacional do Comércio (CNC). Em diversos momentos Barreto afirmou que o Carf não consegue preencher todo o quadro de julgadores porque as entidades não enviam as listas necessárias ao tribunal.

Em relação ao ponto, a portaria também deixa lacunas, ao não definir, por exemplo, como será feito o certame de seleção e quais profissionais poderão concorrer às vagas.

O ponto parece ser duvidoso até mesmo para o Carf, que, sobre o ponto, afirmou ao JOTA que “este dispositivo ainda depende de regulamentação, que está sendo analisada”.

Vice-presidente

Uma das mudanças mais polêmicas da nova norma diz respeito à figura do vice-presidente do tribunal. O cargo está vago desde junho de 2016, quando terminou o mandato da ex-conselheira Maria Teresa Martínez Lopez.

Antes da minirreforma, qualquer conselheiro que representasse os contribuintes no Carf poderia ocupar a vaga de vice-presidente. Agora, porém, o cargo só poderá ser preenchido por um “vice-presidente de seção”.

A redação, entretanto, levantou dúvidas até mesmo entre conselheiros do Carf. Isso porque, de acordo com o site do conselho, não existem vice-presidentes de seção. Existem apenas três presidentes de seção, que são conselheiros do fisco, e 15 vice-presidentes de turmas.
“Ninguém foi designado para essa função, que eu saiba”, afirmou um conselheiro ao JOTA.

Sobre o assunto, o Carf afirmou que os vice-presidentes de seção ainda serão designados.

Ainda de acordo com a portaria, o vice-presidente só poderá participar das sessões da Câmara Superior quando houver a participação do presidente do tribunal no colegiado. A mudança foi apontada como uma forma encontrada por Barreto para não participar obrigatoriamente das sessões do colegiado.

Originalmente todas as sessões da Câmara Superior contariam com a participação do presidente e do vice-presidente do Carf, porém Barreto não tem integrado os colegiados. A ausência visa manter a paridade da turma, já que a cadeira do vice-presidente está vaga.

Nos corredores do Carf, entretanto, é comum ouvir a afirmação de que Barreto não teria a intenção de voltar a participar das sessões da Câmara Superior. Sua prioridade seriam as atividades administrativas do tribunal.

A nomeação de um vice-presidente é uma reivindicação dos conselheiros representantes dos contribuintes no Carf, que vêem na figura uma “ponte” entre os julgadores e a presidência do tribunal.

Conselheiros ouvidos pelo JOTA, porém, afirmam que o formato trazido pela portaria esvazia o cargo de suas funções. “É um vice figurativo”, brinca uma fonte.

Um conselheiro, por sua vez, afirmou que essa é “uma forma que o presidente encontrou para retirar qualquer função ou finalidade dos conselheiros que representam os contribuintes” no tribunal.

Para o julgador o fato pode prejudicar a paridade no conselho, que é questionada judicialmente por meio de uma ação proposta pelo Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Mírian, que atuava no Carf na época em que havia um vice-presidente designado diz que o profissional atuava como “uma voz dos contribuintes dentro do conselho. “Sempre foi uma pessoa muito experiente e com muito trânsito dentro do tribunal”, lembra.

Recursos à Câmara Superior

A portaria também traz alterações na forma de interposição de recursos à Câmara Superior do Carf. A norma soluciona um velho problema no colegiado e define que podem ser admitidos recursos nos quais as partes anexaram apenas parte da ementa da decisão elencada como “paradigma”.

A mudança decorre da forma de admissibilidade de recursos à Câmara Superior. Por ser a instância máxima do Carf, o colegiado só analisa casos nos quais há divergência de entendimento no tribunal, sendo necessário, dessa forma, que as partes anexem ao caso um acórdão “paradigma”, que prove a diversidade de posicionamentos.

A Câmara Superior já deixou de conhecer recursos nos quais não houve a transcrição da íntegra da ementa. Para acabar com essa dúvida a portaria define que poderá ser aceita a reprodução parcial da ementa, “desde que o trecho omitido não altere a interpretação ou o alcance do trecho reproduzido”.

A Portaria 329 proíbe ainda que decisões das turmas extraordinárias sejam utilizadas como paradigmas. Os entendimentos dos colegiados também não poderão embasar súmulas do tribunal.

De acordo com o Carf, a medida foi tomada porque “estudos indicam que as matérias analisadas nestes colegiados são também objeto de julgamento pelas Turmas Ordinárias, que já servem como paradigma para os recursos especiais e para a elaboração de súmulas”.

O tribunal também salientou que as turmas extraordinárias terão 4 julgadores, enquanto as demais têm 8.

Bárbara Mengardo – Brasília