A decisão, de agosto deste ano, foi tomada em uma apelação da defesa de Romário contra uma sentença que já havia impedido a demanda, feita em 2016.
A matéria da revista Época dizia que a PGR pedira ao Supremo Tribunal Federal para investigar Romário por suspeita de receber caixa dois de campanha na eleição de 2014. A notícia informava que os procuradores da República investigavam um suposto repasse de R$ 100 mil a Romário.
Ao juízo, a defesa do hoje candidato alegou que as informações sobre a fonte do jornalista eram necessárias. Segundo Romário, elas teriam interferência no resultado útil do processo uma vez que a fonte que forneceu informações que embasaram a reportagem era pessoa física que pode, “na melhor das hipóteses, evadir-se do país, vir a óbito ou mesmo ser acometida por algum infortúnio que a incapacite de prestar as declarações necessárias ao esclarecimento” da ação.
No processo, Romário alega que, logo após o pedido de investigação, a PGR verificou que as informações eram inverídicas e solicitou o arquivamento da investigação ao STF.
Segundo sua defesa, a divulgação da fonte das informações bem como do documento veiculado pela reportagem o ampararia na formulação do pedido principal de indenização por danos morais.
“Visa o Apelante, portanto, obter a exibição de documento (petição) e da fonte das informações obtidas pelo repórter subscritor da matéria, a fim de amparar futura ação indenizatória, por meio de ação de tutela cautelar requerida em caráter antecedente”, resumiu o desembargador Getúlio Moraes de Oliveira.
Em relação ao documento, Oliveira estabeleceu que, ainda que sigiloso, o procedimento, é de livre acesso aos advogados constituídos com procuração
nos autos, citando a Súmula Vinculante n. 14 e a Lei 13.245/2016, que altera o art. 7º do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil.
O desembargador avaliou que o acesso à fonte de informação “carece de verossimilhança, pois esbarra na proteção constitucional ao sigilo da fonte, prevista no art. 5º, inc. XIV, da Constituição”.
O magistrado acrescentou que a pretensão do candidato é “irrelevante para o exercício futuro do direito de ação que busca indenização por danos morais advindos da veiculação de reportagem”. Isso porque a responsabilidade civil pelos “excessos da imprensa, em tese, independe da revelação da fonte da informação”.
Previsão constitucional
Constitucionalistas e advogados especializados em liberdade de expressão ouvidos pelo JOTA avaliam que o processo de tomado de decisão sobre o sigilo da fonte foi simples para a Justiça. Isso porque o inciso XIV do artigo 5º da Constitução determina ser “assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”
O advogado Marco Antonio Sabino, sócio do escritório Mannrich e Vasconcelos Advogados, lembra que o sigilo da fonte não é apenas uma questão constitucional brasileira, mas uma preocupação espraiada o mundo democrático. “O papel da imprensa é fundamental para prestar contas à sociedade, principalmente dos políticos”, diz Sabino
Ele classifica este tipo de medida como uma “censura colateral” porque não atinge diretamente o veículo, mas inibe outras potenciais fontes de cooperar com informações de interesse público ao ver alguém ser punido ou identificado por ter fornecido informações.
A opinião é compartilhada pelo advogado Gustavo Binenbojm, do escritório BCB Advogados. Segundo ele, independentemente do conteúdo intrínseco da informação veiculada, o sigilo da fonte não pode ser violado. “Os eventuais direitos que o autor busca – se os tiver – têm de ser resolvidos na instância própria. Se provar que o conteúdo é inverídico, seja no plano criminal ou cível, tem de fazer esta prova no âmbito dos processos respectivos”, diz Binenbojm.
Para ele, Romário deveria é buscar se explicar e não tentar obter as informações sobre a fonte do jornalista. Binenbojm analisa que o mais “perverso” não é o caso em questão, mas o efeito silenciador para o funcionamento da liberdade de imprensa. “A mensagem seria de não denunciar criminosos ou corruptos porque a fonte poderia ser retaliada”, afirma.
“A decisão do TJDFT é exemplar não para garantir o direito individual de um veículo ou de uma fonte, mas para que o país sistematicamente e de maneira consistente garanta a liberdade de imprensa”, conclui Binenbojm.
Processos em série
O candidato move ao menos outras três ações contra veículos de imprensa no TJDFT.
Ajuizados em junho deste ano, os processos pedem a retirada de reportagens publicadas nas quais há alegações de que Romário e sua irmã estariam sendo alvos do Conselho de Controle e Atividades Financeiras (COAF).
Os processos foram ajuizados contra a Bandeirantes, a Editora Globo e o UOL. No caso da Band, que tramita sob o número 0716783-27.2018.8.07.0001, o juiz Thiago de Moraes Silva entendeu que a tutela de urgência pela remoção do conteúdo não merecia ser acolhida.
“O acolhimento da medida pleiteada, nesse juízo de cognição sumária, poderia configurar indevida censura judicial, podendo colocar em xeque o valor constitucional da liberdade de expressão”, escreveu em trecho de sua decisão.
Ao julgar um agravo de instrumento da defesa de Romário no caso, o desembargador Cesar Laboissiere Loyola destacou que não é possível no momento preliminar do processo concluir que houve “abuso do exercício do direito de informação e malferimento de direitos da personalidade do agravante”.
Segundo ele, a matéria é complexa e não cabe ao juízo sumário. “Ademais, considerando a função pública notória do agravante, mostra-se adequado o exercício do contraditório para que possa a agravada esclarecer a fidedignidade das informações entre outros aspectos relevantes”, escreveu em 10 de julho.
No processo contra o UOL, que tramita sob o número 0716787-64.2018.8.07.0001, o juiz Luis Martius Bezerra Junior da 22ª Vara Cível de Brasília ressalvou o caráter excepcional da retirada de conteúdo.
“Quando se postula a liminar supressão de determinada matéria ou texto ofensivo, publicado em veículo de comunicação, medida esta sempre revestida de caráter excepcionalíssimo, o exame casuístico, sob as lentes do interesse público e da cautela, é tarefa indispensável para que se possa formar um juízo”, escreveu.
Ao decidir sobre a tutela de urgência alegada pela defesa de Romário, ele indeferiu o pedido feito porque “os aspectos relacionados à verossimilhança da alegação e ao interesse da coletividade na disponibilização do conteúdo na internet, elementos específicos e de sopesamento obrigatório, posto que expressamente estatuídos na lei de regência (artigo 19, § 4º, da Lei nº 12.965/2014)”.
Em 2ª instância, o desembargador James Eduardo Oliveira reforçou o caráter excepcional da medida pedida pelo candidato e, em julho, negou a tutela antecipada.
“Sem indicativos peremptórios da inverdade do fato noticiado, não se pode excluir, initio litis, o conteúdo apontado como ilegal, sendo de se destacar que a matéria é pautada pela objetividade, se limita a relatar a existência de investigações e não imputa ao Agravante a prática de atos ilícitos. À falta, pois, dos requisitos legais, indefiro a antecipação dos efeitos da tutela recursal”, escreveu o magistrado.
O mesmo roteiro se deu no processo impetrado por Romário em face da Editora Globo no processo 0716784-12.2018.8.07.0001. Em 1ª instância, o juiz Caio Sembongi, da 17ª Vara Cível de Brasília, entendeu não haver, “neste incipiente estágio da cognição processual”, os requisitos que autorizam a concessão da tutela provisória de urgência. Na 2ª instância, a desembargadora Leila Arlanch entendeu a questão da mesma maneira.
Todos os processos ainda serão julgados no mérito.