Artigo

Prestação de serviços na área médica, em face da recente Reforma Trabalhista

A legalidade de contratos de prestação de serviços médicos com hospitais vem sendo motivo de disputas nos tribunais do trabalho e de divergências na doutrina. Conforme determinada corrente, caberia ao hospital prestar serviços médicos por meio de empregados próprios, não se admitindo contratos de prestação de serviços.

Com a recente Reforma Trabalhista, pela primeira vez, temos um marco regulatório da terceirização. Não que antes fosse proibida a prestação de serviços vinculados à atividade principal da tomadora, mas agora o legislador expressamente permite esse tipo de ajuste (artigo 4º-A, da Lei 6.019/1974).

Conceitos estruturantes do Direito do Trabalho (artigos 2º, 3º e 9º, da CLT), por óbvio, não foram alterados. Empregado continua sendo a pessoa física que, sujeita ao poder diretivo do empregador, presta serviços de natureza não eventual e mediante salário. Empregador, por sua vez, ainda é pessoa jurídica ou mesmo física que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços. No mais, permanece em vigor a regra segundo a qual é nulo todo ato praticado com intuito de fraudar a lei. Hospitais evidentemente se enquadram no conceito de empregador. Mas a figura do médico em geral não se compatibiliza com os preceitos da CLT.

Médicos organizam sua própria agenda, podendo trabalhar nos dias e horários de sua conveniência. Conciliam a prestação de serviços a hospital, não raro a mais de um, com prestação de serviços ao poder público, viagens particulares, participação em congressos nacionais e internacionais, atendimento de clientes próprios em clínicas particulares e atividades de docência. Por vezes, utilizam a estrutura do hospital para atender sua própria clientela, de quem recebe seus honorários médicos. Podem até fornecer previamente sua previsão de disponibilidade de agenda. Havendo qualquer empecilho, podem indicar outro sócio para atender em seu lugar ou mesmo cancelar o compromisso, sem atrair qualquer sanção, como se empregado fosse. Acima de tudo e inclusive em linha com os artigos 7º e 8º do Código de Ética Médica (Resolução CFM nº 1246/1988), dispõem de ampla autonomia para tomar decisões técnicas.

Com base nas características acima, antes mesmo da recente Reforma Trabalhista, o Tribunal Regional do Trabalho, da 2ª Região (São Paulo), negou pretensão do Ministério Público do Trabalho em obrigar o Hospital Sírio Libanês a contratar médicos pelo regime da CLT (Ação Civil Pública nº 0000960-60.2015.5.02.0062).

Após a Reforma, por entender que agora a lei “autoriza a ampla, geral e irrestrita transferência da execução de serviços de quaisquer atividades da empresa contratante, aí incluída sua atividade principal”, o Ministério Público do Trabalho, da 16ª Região (Maranhão), desistiu de recorrer de decisão em segunda instância que também tinha afastado de médicos a condição de empregado (Ação Civil Pública nº 0016446-13.2013.5.16.0015).

Definitivamente, não se pode continuar insistindo em arcaicas teorias que, a pretexto de proteger, acabam por engessar o desenvolvimento profissional e pessoal desses profissionais da saúde, tão essenciais para a sociedade.

 

 Nelson Mannrich, professor titular de Direito do Trabalho, da USP, presidente honorário da Academia Brasileira de Direito do Trabalho e sócio do Mannrich e Vasconcelos Advogados.

Priscila Freire da Silva Cezario, mestranda em Direito do Trabalho na USP e advogada do Mannrich e Vasconcelos Advogados.