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Carta a um jovem advogado trabalhista (JOTA)

Carta a um jovem advogado trabalhista

Impressões e reminiscências acerca da carreira em Direito do Trabalho
Nelson Mannrich
22 de Fevereiro de 2017 – 08h39

Quando estava concluindo meu curso de direito, na PUC/SP, em 1973, não consegui transferência para o jurídico do banco, onde era gerente. Então, aceitei convite de meu professor de Direito do Trabalho, Cássio Mesquita Barros Jr., para trabalhar no escritório dele e do professor Octavio Bueno Magano.

Não tinha ideia do que era atuar na área trabalhista, sequer fizera escolha para confrontar com as demais áreas. Foi apenas uma oportunidade – para uns, destino, mas acredito no livre-arbítrio. Outras áreas eram mais cobiçadas, havendo até certo menoscabo pelo Direito do Trabalho, como se o advogado trabalhista não necessitasse de melhor preparo. Mesmo em alguns escritórios, havia certa ironia para referir-se aos que atuavam na área jurídica, para diferenciar os que atuavam na área trabalhista.

Isso mudou. O Direito do Trabalho ocupa na atualidade posição de destaque, não apenas pela complexidade da legislação, mas pela importância da empresa como centro de produção de riquezas, graças ao trabalho do homem – este, razão de ser do próprio Direito. Segundo Ulrich Preis, na Alemanha, apresenta-se como o ramo jurídico mais complexo de todos.

Tamanha complexidade do Direito do Trabalho atraiu, de um lado, uma legião de advogados trabalhistas, que atuam em uma gigantesca estrutura construída em torno de uma Justiça do Trabalho cada vez mais prestigiada e fortalecida, e, de outro, a reestruturação de uma das mais poderosas, respeitadas e temidas instituições, o Ministério Público do Trabalho. Como resultado, milhões de ações trabalhistas todos os anos cobram das empresas o cumprimento daquela vasta legislação, gerando passivo trabalhista jamais imaginado e colocando em risco o futuro de muitos empreendimentos. O advogado trabalhista se tornou imprescindível para as organizações e trabalhadores.

A complexidade e importância do Direito do Trabalho exigem dos profissionais não apenas profundo conhecimento da legislação de regência, como domínio das áreas de fronteira, pela necessária convergência com outros ramos da ciência jurídica e, de modo particular, com outras ciências, como economia, sociologia, medicina e segurança do trabalho, apenas para exemplificar.

É verdade que nem todos compartilham dessa visão otimista. Segundo irônica observação de Bernd Rüthers, ser especialista em Direito do Trabalho “não é grande coisa”. Para ele, “trata-se de uma espécie de desocupados, que atravessam fronteiras sem autorização, colhendo em campos alheios e semeando permanente conflito social.”

Tive o privilégio de conhecer as entranhas do Direito do Trabalho, pisando o chão da fábrica e tendo contato direto com a dura realidade vivida pelos trabalhadores, de um lado, e os anseios e perplexidades dos empresários, de outro. Depois de trabalhar como advogado de empresas por quase dois anos no escritório do professor Cássio e do professor Magano, recebi um convite, por meio do Dr. Ari Castelo, para integrar o corpo jurídico dos advogados do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, em 1975. Por cinco anos, tive oportunidade de advogar para empregados, sob a chefia do Dr. Maurício Soares.

Minha experiência na área trabalhista se aprofundou quando passei no concurso para auditor fiscal do trabalho e tive oportunidade, por quase 25 anos, de conhecer o Direito do Trabalho por trás do palco, em sua verdadeira dimensão empregado-empregador-Estado. Concomitantemente, construí minha carreira acadêmica, como professor auxiliar e depois titular na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Mackenzie. Atualmente, há mais de 20 anos, dedico-me exclusivamente ao magistério e à advocacia.

Para ser advogado trabalhista, não há necessidade de ser professor. Há grandes advogados trabalhistas que nunca lecionaram, como há excelentes professores de Direito do Trabalho que nunca apostaram na advocacia. Experiências tão ricas, seja como advogado de empresas, seja de empregados e mesmo como auditor fiscal do trabalho e em especial como professor, certamente foram decisivas para consolidar minha atual carreira de advogado trabalhista, contribuindo para o meu crescimento, tanto profissional, quanto pessoal.

As diferentes vivências foram extremamente importantes para que eu consolidasse minha carreira e me capacitasse a lidar com esse mundo diferenciado, o Direito do Trabalho.

Estou convencido de que, para se ter sucesso como advogado, de modo particular na área trabalhista, é imprescindível muito estudo e muita leitura. Não me refiro apenas a frequentar cursos de reciclagem periódica, mas se dedicar à literatura em geral, à filosofia e outras áreas do saber, além de curtir música e cinema e a própria vida. Vejo que hoje, mais do que quando iniciei minha carreira, o futuro advogado, inclusive trabalhista, deve ser um especialista, embora com formação universal. Penso que na faculdade o aluno deveria mergulhar em todas as áreas obrigatórias da grade curricular, aproveitar para fazer intercâmbios e somente depois se especializar, e assim não perder de vista a visão universal do direito e a universalidade das ciências.

Optar por escritório próprio no início da carreira pode ser um grande desafio, mas também pode limitar sua atuação e torná-la menos rica. Trabalhar em um grande escritório, especialmente se puder estagiar em outras áreas, além da trabalhista, pode ser excelente opção. Haverá troca de conhecimentos e de experiências, favorecendo o amadurecimento mais consistente. Mesmo como advogado trabalhista em uma corporação estrangeira, por exemplo, haverá oportunidade de conhecer o funcionamento de sua área no país de origem. Esse pode ser um diferencial na carreira e abrir muitas portas.

Em resumo, é fundamental que o jovem profissional invista em uma linha de atuação para que possa definir claramente os passos a perseguir. Porém, é essencial que ele adquira experiências e conhecimentos que contribuam para seu desempenho e escalada na carreira, livre do medo que possa tolher seu real crescimento.

Penso que sucesso não significa necessariamente conquistas materiais. O trabalho pode até nos fustigar, forjando suas marcas com o tempo, mas quando fazemos o que amamos e conhecemos, não trabalhamos, apenas nos realizamos. É o que sinto quando lido com essa engrenagem intrincada chamada Direito do Trabalho.

Nelson Mannrich – Professor titular de Direito do Trabalho da USP e sócio do escritório Mannrich, Senra e Vasconcelos Advogados